EM MEMÓRIA DE MAX STAHL

O jornalista britânico e timorense Max Stahl, que filmou o massacre de Santa Cruz, em Díli (Timor-Leste), em Novembro de 1991, morreu ontem num hospital da cidade australiana de Brisbane, vítima de doença prolongada.

Por Orlando Castro

Condecorado com o Colar da Ordem da Liberdade, o mais alto galardão que pode ser dado a um cidadão pelo Estado timorense, Max Stahl viu-lhe atribuída a nacionalidade timorense.

Christopher Wenner, que começou a ser conhecido como Max Stahl, iniciou a sua ligação a Timor-Leste a 30 de Agosto de 1991 quando, “disfarçado de turista”, entrou no território para filmar um documentário para uma televisão independente inglesa.

Entrevistou vários líderes da resistência e, depois de sair por causa do visto, regressou, entrando por terra, acabando, a 12 de Novembro desse ano por filmar o massacre no cemitério de Santa Cruz, em Díli, onde terão morrido mais de 300 pessoas.

O ex-Presidente de Timor-Leste, Xanana Gusmão, lamentou a morte de Max Stahl, lembrando que o seu trabalho “mudou o destino da nação”.

Numa carta enviada à viúva, na qualidade de negociador principal para a delimitação das fronteiras marítimas de Timor-Leste, Xanana Gusmão sublinhou o facto das filmagens de Stahl do massacre de Santa Cruz terem “exposto a repressão e brutalidade da ocupação indonésia”, bem como todo o trabalho de arquivo sobre a História do país efectuado posteriormente, considerando-o um legado para a nação timorense.

“Poucas pessoas conseguiram dar um contributo tão significativo para a nação”, salientou, afirmando que o jornalista e documentalista era “amado pelos timorenses” e que o país “está de luto”.

Sem alterar uma vírgula, apenas recordando que as palavras voam mas os escritos são eternos, reproduzo uma entrevista que fiz a Xanana Gusmão, publicada em 13 de Fevereiro de 1999 no Jornal de Notícias (Portugal). Conclusões, ilações ou seja o que for, deixo-as a cargo dos leitores do Folha 8:

– O presidente Habibie admite a independência de Timor-Leste ainda este ano. Acredita nisso?
– Acredito. O Governo indonésio está a levar a sério o assunto e nada nos faz supor que a ideia das autoridades de Jacarta sejam outras.

– Então está satisfeito?
– Sim. Essas afirmações são para nós um acrescido motivo de alegria. Sabemos que processos assim levam a tomadas de posição por vezes algo imprevisíveis. O problema é que muitas vezes somos apanhados desprevenidos e mudanças rápidas de atitude, obrigam-nos necessariamente a ter mais consciência das nossas enormes responsabilidades. Ainda mais porque essa alteração reduz o tempo que prevíamos ter para preparar todo o processo. Isso não significa, contudo, que não estejamos satisfeitos.

– Digamos que admite que essa proposta seja um armadilha?
– Não exactamente. O espaço é demasiado curto. No entanto, e mais uma vez, esperamos que o Governo indonésio confirme junto da comunidade internacional que os passos que estão a ser dados não vão sofrer alterações, e que, por isso, não se corre o risco de andar para a frente e para trás.

– Tem mantido contactos com os timorenses que estão no território?
– A minha vinda para esta casa foi uma forma de me permitir ter contactos directos com todas as forças e opiniões sobre Timor-Leste e, sobretudo, com os timorenses que são os mais interessados na resolução deste processo. Tenho estado em constante contacto com todos os timorenses, e esse trabalho vai continuar cada vez mais de forma alargada. É claro que os contactos ultrapassam os timorenses pois importa ouvir todos aqueles que podem, mesmo que de uma forma pouco expressiva, contribuir para a solução pacífica do problema.

– Dos contactos já feitos e das análises daí resultantes, a que conclusão chega?
– Penso, desde logo, que o problema é apenas nosso. A partir de agora não teremos mais desculpas. Temos de provar a todos, nomeadamente à Indonésia de que somos capazes. Não vamos exigir à Indonésia, ou à comunidade internacional, as responsabilidades que são apenas nossas. Teremos de ser nós a tratar do nosso destino. Temos de provar que temos capacidade e não defraudar a confiança que estão a colocar em nós.

– Não haverá algum excesso de optimismo?
– Não se esqueça que o optimismo permitiu-nos chegar até aqui. Reconheço, como é óbvio, que existem sempre pessoas, mesmo entre os timorenses, que pretendem espalhar o espectro da guerra civil. É isso mesmo que temos de eliminar e, ao mesmo tempo, temos de semear a harmonia e o entendimento entre os timorenses.

– Vai ser, permita-nos o termo, uma «guerra» complicada…
– Sim. Sabemos que é um grande desafio para todos nós. Mas se desde o princípio da guerra sabíamos que estávamos a enfrentar um muito poderoso inimigo e, mesmo assim, não perdemos a fé, agora que já conseguimos ver melhor a luz ao fundo do túnel, não podemos de maneira alguma perder a fé de que conseguiremos, em consciência e com o contributo de todos, fazer o que nos cabe, não encontrando desculpas ou passando a responsabilidade para os outros.

– Com este quadro, a união fará mais uma vez a força?
– Exacto. Todos os timorenses, estejam ou não no território, devem reflectir sobre os próximos e difíceis desafios. Reflectir de forma consciente e séria. Eu prefiro a independência. Mas não a prefiro a qualquer preço. A independência não se consegue, ou não se constrói, com um simples içar da bandeira. É preciso trabalhar muito. É preciso estar preparado. Não basta querer, é preciso saber querer.

– Tem estado com os representantes portugueses. São encontros frutuosos?
– São muito frutuosos. Ana Gomes e Afonso Malheiro estão em contacto permanente comigo. São encontros que cada vez mais se tornarão uma rotina, desde logo porque os seus conselhos e os seus contributos são, como é fácil de entender, importantíssimos para a solução do problema.

– É importante a ida de Ramos-Horta a Jacarta?
– Era importante que ele viesse, tal como era que todos viessem na tal perspectiva de que todos não seremos demais para ajudar a construir o nosso país. Temos de aproveitar a altura para, em conjunto, encontrarmos a melhor via. O encontro de Ramos-Horta comigo não é importante. Sê-lo-á com certeza com as autoridades indonésias. Isto na perspectiva de que devemos todos remar no mesmo sentido.

– E para Portugal que papel fica reservado?
– Um papel importante. Portugal é importante, como sempre o foi. Acreditamos que, mais uma vez, Portugal vai ajudar os timorenses a encontrar o caminho certo. Por isso, nunca é demais agradecer a ajuda de Portugal e dos portugueses. Esperamos que nesta hora difícil e crítica para a nossa Pátria, os portugueses continuem a ajudar-nos.

– Insiste em usar termos que denotam algumas incertezas ou dúvidas…
– É que, de facto, o momento é mesmo crítico. E não o é porque não estejamos já a ver o fim da luta. É crítico porque o processo é cada vez mais célere e tempo cada vez mais curto. Daí a importância que damos à ajuda dos portugueses que, novamente, nos vai ser dada. Aliás, importa recordar que foi a ajuda e a solidariedade do povo português que desde há 24 anos nos deu a força moral para resistir e hoje olharmos para a vitória com a firmeza e confiança.

– Solidariedade que nem sempre foi dada por outros povos?
– Não diria por outros povos. Diria por outros governos. Veja-se que a posição dos portugueses e do seu Governo contrasta com a do Governo australiano que continua a manifestar-se contra a independência de Timor-Leste. Com essa posição estão a passar-nos um atestado de menoridade, mas estou convencido de que os factos vão demonstrar que somos capazes.

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